quarta-feira, 26 de maio de 2010

Mistério da Rosa - 8° Mistério - O Começo do Desabrochar

Corriam os dias e crescia a menina em beleza e sabedoria a olhos vistos. Durante as manhãs tomava aulas de escrita, francês e boas maneiras, lecionadas pela própria mãe. Durante as tardes ia-se à praia contemplar a imensidão do mar que adentrava seus olhos amarelos. Tudo mudara em sua vida. Pouco lembrava do sertão, talvez apenas a imensidão seca que parecia abraçar todo o mundo. Mas Angeline tinha a ligeira impressão que apenas o mar seria capaz de abraçar o mundo.

Cinco anos passaram-se desde a sua chegada ao Maison Rose. A mãe jamais a mandou à escola, pois segundo a mesma, não havia nada de útil que pudesse ser ensinado por lá:

-Uma mulher nunca será mais digna por saber trigonometria.

-E o que é trigonometria, mãe?

-Algo que Edith Piaf nunca precisou saber para brilhar, então não importa.

Chamava La mére por mãe com mais naturalidade que antes, embora ainda sentisse em seu coração uma certa ponta de culpa por ter dado tal alcunha a uma mulher que não a tinha gerado. Mas sentia-se filha e acima de tudo sentia-se confortada pelos instintos maternos de Edith, então, ali estava alguém digna de chamar-se mãe.

Desde os primeiros dias acostumara-se à rotina da casa, embora não participasse da mesma. Sempre ao anoitecer, Edith a recolhia para o primeiro andar do recinto, onde estabeleceu-se a sua residência. Era um espaço que englobava cozinha, uma pequena sala, um banheiro e dois quartos, nos quais dormiam mãe e filha separadamente. Durante a noite, descia as escadas às escondidas e por meio de uma fresta na porta de tábuas brechava o movimento do bar. A vista de lá dava direto para algumas cadeiras enfileiradas, nas quais sentavam-se homens olhando em determinada direção, com olhos vazios e embriagados. Angeline não sabia o que olhavam. Havia também uma mulher que sentava-se sozinha, sempre bem vestida e fumando cigarros que a mesma enrolava nos guardanapos que carregavam em letras rosas o nome do recinto. Olhava na mesma direção com olhos em brasas, exalando vida pelos mesmos, diferente dos homens. Às vezes a mesma era saudada por Edith que a cumprimentava com fervor.

No apartamento Edith também improvisou um altar com os restos de santos de Angeline, onde todas as noites, antes de dormir, a menina acendia uma vela e fazia suas orações, segurada ao rosário que a primeira mãe lhe dera. Sempre que a via nesta ocasião, Edith ajoelhava-se ao seu lado e a lembrava para rezar pelo bom movimento do estabelecimento, à saúde de suas funcionárias e pedia a Deus que abençoasse a todos os produtores de gin, para que nunca lhes faltasse ânimo para a produção do mesmo, e que esta bebida nunca faltasse em seu bar.

Gin era a bebida sagrada desta unidade familiar. Como forma de aumentar os laços entre mãe e filha, todas as tardes Edith sentava-se junto da filha perto da janela que dava para a Rua da Moeda, ambas com sua dose na mão, fumando cigarros em enormes piteiras, divagando sobre o dia e sobre as expectativas que tinham sobre a vida:

-Semana que vem é seu aniversário, Angeline. Dezesseis anos. Tenho que pensar em algo para lhe dar nesta data tão especial.

-Pensava que especial era os quinze anos.

-Meras convenções. Dezesseis anos é a idade decisiva do afloramento da beleza da mulher. Se uma mulher continua feia aos dezesseis, assim será por toda a sua vida.

Edith ergueu o copo e mãe e filha brindaram:

-Não será o seu caso, meu bem.-

Beberam. Edith serviu-as de outra dose e continuou:

-Dezesseis anos. Ah, minha filha, parece que foi ontem que você chegou aqui. Raquítica, anêmica, trazendo no corpo ainda o cheiro da poeira e da seca do sertão. Uma pequena jóia bruta que caiu nas mãos do melhor ourives da terra. No dia do seu aniversário haverá um novo passo em nossa caminhada para torná-la a mais bela mulher do mundo: vai tornar-se loira.

Angeline arregalou os olhos e perguntou-lho o por quê. Afinal de contas, gostava dos seus longos e negros cabelos cacheados:

-Ora, meu bem, toda mulher deveria ser loira. Pelo menos uma vez na vida. Principalmente se estiver com um homem. É uma questão de status. Um homem com uma loira ao lado é outra coisa. Uma loira não é apenas uma mulher. Uma loira é uma loira, as outras são apenas mulheres.

Angeline sorriu e assentiu. Sempre soube que tinha como mãe a mulher mais sábia do mundo.

3 comentários:

  1. Vou comprar uma peruca loira, pq falta coragem de pintar, mesmo que seja por um dia apenas... heheheheh...
    Bjos adoro os dois!!
    Espero atualizações...

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  2. belo, lindo conto...
    guardo comigo todas as imagens e trago o primeiro cigarro do dia... a vida em-fumaça...
    abs

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