Já era manhã quando Angeline foi acordada pelas suaves mãos de Edith:
-Bom dia minha filha, dormiu bem?
Entorpecida com o sono que sempre demora-se a deixar de ser um fardo em nossos olhos, espreguiçou-se e respondeu:
-Sim, Edith.
-Não filha. Para você não é e nunca será Edith. Serei sempre sua mãe. Vou perguntar novamente. Dormiu bem, minha filha?
Não é todo dia que canonizamos alguém ao ponto de chamá-la por mãe. No princípio é um jogo de repetição. Uma mulher que olha nos olhos de um bebê e sempre repete a palavra, bem como todos que cercam a criança, em sua frente, abrem mão de um pouco da individualidade da mulher que a tem nos braços e também a chamam de mãe. Então, com o passar do tempo, a criança chamará a mulher por mãe, e apenas ela o fará, todos os outros voltam às antigas alcunhas. É o fim do catecismo. Mas aqui está Angeline em uma terra desconhecida, com suas recentes descobertas sobre qual o tamanho do infinito após ver o mar, com uma mulher que encarnou erroneamente em um corpo masculino exigindo sua beatificação a um posto exclusivo. Diz-se muito que pai é quem cria, mas trata-se de uma prática inaplicável às mães. Um pouco de dúvida, disfarçada pelo sono e, enfim, duas palavras:
-Sim, mãe.
Edith sorriu e respondeu:
-Não foi natural, mas logo você vai se acostumar. Bem, minha filha, nada de gin agora. Café da manhã. Breakfast. Le petit lunch. E depois, programa de mulheres. Vamos às compras. Filha de Edith Stephanie transpira glamour, luxury e beleza. Bem, isso por enquanto, depois você vai transpirar outras coisas, mas tudo em seu tempo.
Angeline não imaginava que houvesse comida no mundo além de farinha, feijão, macaxeira, fubá de milho e, às vezes, palma. Comeu como um condenado à morte em sua última refeição. Edith acompanhava tudo com satisfação, mas sabia que lá pela terceira refeição da menina seria o momento de começar a ensinar-lhe boas maneiras.
Saíram às compras e Edith encheu a pequena Angeline de luxury. Não é luxúria, uma mãe que se preze não deseja luxúria a uma filha de onze anos de idade. Também não é inglês, que, embora domine perfeitamente, além do francês e do espanhol, todos aprendidos através de velhos clientes, para nossa mais nova mamãe, trata-se de uma língua bárbaros.
Quando Edith ouviu da boca de um cliente francês que luxury, do francês, tinha algo a ver com Luxo, não luxúria, apaixonou-se pela expressão, ao ponto de, como já sabemos, tatuá-la no braço, juntando-se às outras cinco tatuagens que carrega pelo corpo: uma borboleta amarela na nuca, um pequeno diabo com traços infantis no pé direito, um sagrado coração de Jesus partido ao meio na coxa esquerda, o símbolo da reciclagem nas costas e, imitando um carimbo, a expressão “Made in World” no abdômen.
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